
Ora vou agora partilhar uma experiência pessoal, que preciso de estravazar a ver se me passa a nervoseira.
Faço viagens Porto-Lisboa com muita regularidade, do tipo 2 a 3 vezes por mês. De comboio. E nunca, mas nunca me tinha acontecido nada semelhante...
Estava eu em Campanhã e vejo uma familia - pai, mãe e 3 filhos, todos aos pinotes e com os respectivos progenitores completamente alheados se as crias estavam a incomodar os transeuntes ou não. Até aqui - tudo normal. Eu pensei - "Ai, só espero que não fiquem perto de mim no comboio, que 3 horas a aturar miudos que tem pais ainda piores q eles é mesmo muito mau..."
Quando o comboio chegou, a respectiva familia feliz afastou-se do que era a minha carruagem e eu pensei: "Fixe - vou poder ler e dormir à vontade - que três horas boas para relaxar..."
O que eu não sabia era que, pior do que três crianças cheias de energia e pais ausentes, eram grupos de quarentonas à solta vindas de um congresso não sei de que no Porto!!! Ah pois - registem: entre 3 crianças aos berros e aos pulos e 4 ou 5 quarentonas à solta, vindas de um congresso - optem pelas crianças, que pelo menos ainda fazem umas coisas com piada e não insultama vossa inteligência.
Pois bem, uma delas ficou mesmo ao meu lado - que é para eu não ter a minima hipótese de perder pitada. Ao meu lado mas de costas para mim, virada para as respectivas amigas. E a viagem foi toda num constante sobressalto entre risinhos estridentes, vozes altas a contar episódios sem a minima piada e uma ou outra cotovelada e encosto de ombro à minha pessoa.
Quem me conhece sabe bem que, se eu quiser, consigo ser mesmo muito muito antipática e de uma frontalidade que roça a má educação e a rudez, mas eu ali achei que não tinha a minima hipótese - estava gerado aquele efeito de grupo que os psicólogos tão bem sabem explicar e eu fui-me deixando ficar, sem dizer nada...
A dada altua, estava eu a tentar ler o meu livro, começo a tossir e a arranhar a garganta, porque realmente tinha vontade de o fazer, e a dignissima sra. que viajava ao meu lado vira-se para mim e pergunta: "Estou a incomodar?" Eu levanto os meus olhos do livro e olho-a por cima dos meus óculos e respondo com aquele ar de que me estavam a colocar uma pergunta deveras despropositada, adicionando uma pitada de desprezo: "Não... Porque? Acha que está a incomodar?" Ela pensou um bocado e disse: "Não, acho que não". E virou-se novamente para as amigas que começaram a tecer considerações sobre o conceito de liberdade num comboio...
Não - eu não disse nada - estava mesmo convencida de que não podia dar qualquer tipo de volta à situação. Mas levantei-me (praticamente sem pedir cá com licença nem nada dessa educações) e fui ao bar do comboio buscar uns head-phones, que me permitiam ouvir a Rádio Comercial que o comboio transmite. E assim alhear-me da tristeza dos quarenta... E assim foi - dormi quase até Lisboa, embalada pelos exitos musicais do momento.
Chegada a Lisboa, estava eu a preparar-me para vir embora, passo uma vez mais pela sra., sem com licenças sem nada e tiro a mochila que estava por cima do banco. Ao mesmo tempo, a sra. também se levanta. Eu, ao colocar a mochila às costas, dou~lhe com o saco, mas assim mesmo em cheio! Ela começa logo, em grande estardalhaço, a queixar-se às amigas... Digo eu, com voz bem colocada, cabeça levantada e altamente sarcástica (ao estilo "vou-me desforrar, sua abécula!")
"Oh... Desculpe - Estou a incomodar?"
Nem esperei pela resposta - virei costas e segui.