sexta-feira, abril 12, 2013

Mimi de ganas


A Mimi sempre foi uma rapariga de ganas, que é como quem diz - vontades fortes. Ganas de dormir, de comer, de passear, de estar sozinha, acompanhada, de tanta coisa.
Oscilava sempre entre o quase nada, o vazio dos dias e as ganas, que lhe alimentavam a alma mas que também tornavam a vida muito cansativa.
Tinha ganas por músicas que ouvia repetidamente até à exaustão ou então por comida, que repetia todos os dias. Tanbém lhe eram conhecidas ganas por sapatos, cores, pessoas ou lugares.
As piores ganas - e também as melhores - envolviam sempre amores, paixonetas, casos, amantes. Tinha ganas de os ter assim como as tinha para os deixar.
Tudo era apaixonado e apaixonante até o deixar de o ser - os encontros, os beijos, os passeios, os corpos, as camas por onde passava. Até tudo ser completamente entediante e a gana passar a ser a de fugir dali para fora.
Diziam-lhe as amigas, sempre presentes e entendidas no assunto, que o problema dela não era ela. Eram eles. Que não prestavam para nada. E as conversas iam sempre em voltas e curvas por ali adiante até à redundante conclusão de que afinal a culpa até era dela que não os sabia escolher. Nessa altura davam-lhe as ganas de se aborrecer com as amigas, mas arrepiava sempre caminho. Não por ter medo de se aborrecer com as amigas. Apenas porque era uma gana que vinha de dentro e que depois transbordava para fora, sem lhe dar tempo ou alento para elevar a voz às amigas.
Da última vez teve uma gana pelo rapaz que lhe vendia o café todos os dias de manha. E via em cada gesto dele - o "bom dia", a posição da chávena, o troco em moedas pretas - uma mensagem subliminar que significava sempre alguma coisa. E a gana foi crescendo acompanhada do pacote de açucar que faltava, do troco que demorava e do sorriso dele a dizer "até amanhã". Em tudo via e havia segunda intenção e isso alimentava-lhe a gana.
Até ao dia em que o sorridente rapaz lhe apresentou a namorada que naquela manhã tinha de ir para aqueles lados tratar de uma burocracia qualquer. E a gana morreu ali, esmagada pela imagem da namorada, num cruel chamamento à realidade. Ainda se transformou por momentos em raiva (como é que ele foi capaz?) mas logo se desvaneceu fazendo o luto à gana.
Não haveria de passar muito tempo para lhe nascer uma gana nova que lhe ocupasse os dias. Até lá os dias vazios davam-lhe jeito para descansar.
Não deve ser fácil ter a vida presa a ganas. Mas deve ser também muito mais emocionante quando as há.


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