quinta-feira, maio 30, 2013

Rodinhas e Quadrados

Ficas sempre assim quando não sabes o que fazer. Ou o que pensar. E o pior é que sabes, desde sempre, que ficas assim. Então - pergunto eu mais a mim do que a ti (porque nunca me conseguiste responder) - porquê? Porquê que insistes em empatar a vida e a cabeça com tantos "ses" e "mas"?
Fazes rodinhas com os dedos no tampo da mesa e mexes sempre nervosamente nas pontas do cabelo. Porquê? Porquê que ficas assim comigo, que te conheço tão bem e que só quero ouvir o que já sei que aí vai?
Não sei se é falta de confiança ou de astúcia. Não sei se é medo ou fragilidade. Sei que empatas muito de ti e da vida e acredita que compreendo todos os "ses" e "mas". Mas não aceito.
Acho que devias deixar de mexer no cabelo. Usa as mãos para outras coisas. Para abraçar, por exemplo. A ti, aos outros, a quem quiseres e a quem queira também receber um abraço teu. Usa as mãos para bateres com portas, para abrires janelas, para te apoiares no parapeito e veres além do vidro que apesar de transparente te embacia a visão.
E em vez de rodinhas com os dedos no tampo da mesa, devias fazer quadrados. Que depois devias colorir. Mas sem respeitares as linhas, os limites dos quadrados. É assim que fazem as crianças e elas sabem tanto sobre colorir...
Talvez assim conseguisses perceber que os limites que traças são sempre passíveis de serem alterados, ultrapassados. Sem que um colapso daí resulte. Acredita em mim, raios!

segunda-feira, maio 27, 2013

Escolhas. Decisões. Evoluções.

Já nem sequer me lembro quando foi a última vez que em ti pensei, mas hoje vi o pensamento arrastado para margens às quais não quero voltar.
Acho que sei onde tudo mudou. Onde eu mudei. Verdade seja dita que foste sempre a mesma, cheia de imperfeições e detalhes sarcásticos, que eu tanto admirava quanto odiava, dependendo sempre da direção que lhes davas.
Não acho, aliás, que tenha sido mudar. Acho que foi só crescer, evoluir. Só que como foi derrepente, nota-se mais, fere mais. Foi como se alguém tivesse chegado ao pé de mim e me tivesse puxado pernas e braços e eu estiquei e estiquei e em pouco tempo ganhei poderosos metros. E reparei lá do alto que tu, cá em baixo, me parecias tão pequenina e desprezível, num canto, a barafustar. E só quis uma coisa. Distância. Melhor: aproveitar esta distância por ti criada - eu lá em cima, tu cá em baixo. Sem oportunidades de eu descer ou tu de subires. Aproveitei-a. Aceitei-a.
Ás vezes evoluímos assim - aos pontapés. Nesse momento ficamos sempre tristes e desapontados, não entendemos o objetivo de crescer: porque nos esticam tanto as pernas e os braços, se dói? Mas o tempo vai-nos explicando, devagarinho, que há distâncias que são mesmo para manter. Aproveitar, aceitar. Escolhas que se fazem. Crescer foi só uma delas.






sexta-feira, abril 12, 2013

Mimi de ganas


A Mimi sempre foi uma rapariga de ganas, que é como quem diz - vontades fortes. Ganas de dormir, de comer, de passear, de estar sozinha, acompanhada, de tanta coisa.
Oscilava sempre entre o quase nada, o vazio dos dias e as ganas, que lhe alimentavam a alma mas que também tornavam a vida muito cansativa.
Tinha ganas por músicas que ouvia repetidamente até à exaustão ou então por comida, que repetia todos os dias. Tanbém lhe eram conhecidas ganas por sapatos, cores, pessoas ou lugares.
As piores ganas - e também as melhores - envolviam sempre amores, paixonetas, casos, amantes. Tinha ganas de os ter assim como as tinha para os deixar.
Tudo era apaixonado e apaixonante até o deixar de o ser - os encontros, os beijos, os passeios, os corpos, as camas por onde passava. Até tudo ser completamente entediante e a gana passar a ser a de fugir dali para fora.
Diziam-lhe as amigas, sempre presentes e entendidas no assunto, que o problema dela não era ela. Eram eles. Que não prestavam para nada. E as conversas iam sempre em voltas e curvas por ali adiante até à redundante conclusão de que afinal a culpa até era dela que não os sabia escolher. Nessa altura davam-lhe as ganas de se aborrecer com as amigas, mas arrepiava sempre caminho. Não por ter medo de se aborrecer com as amigas. Apenas porque era uma gana que vinha de dentro e que depois transbordava para fora, sem lhe dar tempo ou alento para elevar a voz às amigas.
Da última vez teve uma gana pelo rapaz que lhe vendia o café todos os dias de manha. E via em cada gesto dele - o "bom dia", a posição da chávena, o troco em moedas pretas - uma mensagem subliminar que significava sempre alguma coisa. E a gana foi crescendo acompanhada do pacote de açucar que faltava, do troco que demorava e do sorriso dele a dizer "até amanhã". Em tudo via e havia segunda intenção e isso alimentava-lhe a gana.
Até ao dia em que o sorridente rapaz lhe apresentou a namorada que naquela manhã tinha de ir para aqueles lados tratar de uma burocracia qualquer. E a gana morreu ali, esmagada pela imagem da namorada, num cruel chamamento à realidade. Ainda se transformou por momentos em raiva (como é que ele foi capaz?) mas logo se desvaneceu fazendo o luto à gana.
Não haveria de passar muito tempo para lhe nascer uma gana nova que lhe ocupasse os dias. Até lá os dias vazios davam-lhe jeito para descansar.
Não deve ser fácil ter a vida presa a ganas. Mas deve ser também muito mais emocionante quando as há.


domingo, maio 20, 2012

Esperas.

Eram 21h30 e eu à espera. Pensamos sempre tantas coisas quando estamos à espera. Eu pelo menos sou assim. Até porque sofro de um mal qualquer inexplicável nos tempos que correm, que é ser pontual. E portanto, dadas as circunstâncias e o que me rodeia, organizo pensamentos e a vida nestas tantas esperas. Tomo decisões que quase nunca avançam. Começo sempre por pensar no que me rodeia ali, se está frio ou calor e acabo longe, a imaginar-me a atravessar uma rua para aí do Japão, para chegar ao outro lado. As ruas atravessam-se sempre para chegar a outro lado. Aqui ou no Japão. Perco-me. Não na rua, que é sempre a direito. Mas nestes pensamentos. E espero. Espero que não te tenha acontecido nada. Sempre este lado maternal... Espero que estejas bem. Sempre este medo irracional. Depois mudo, e espero que te tenha acontecido tudo. Porque os minutos passam e eu estou ali especada e então, por segundos, espero que te tenha é acontecido tudo - assim não estava à espera tão em vão - explico-me logo a mim própria no instante a seguir e afasto estes pensamentos. Se ao menos ainda fumasse, a espera desfazia-se entre baforadas... Enquanto espero e penso também observo. Há sempre pessoas com pressa. Mas para onde irão com tanta pressa que nem sequer o mar observam nem que seja por uns breves segundos? Observar o mar pode ser rápido, uns segundos bastam para uma pessoa se sentir bem. Bom, pelo menos para mim. Recordo sempre as criticas que me fazem, ao longo de anos: isso é assim, "para ti"! Isso é fácil, "para ti"! Está tudo bem, "para ti"! Aceito-as. Eu realmente acho, vivo e sinto muitas coisas e que de facto são só para mim. E tu que não chegas. E eu que me irrito só de pensar que o gelado no carro assim vai derreter. Pareço as pessoas cheias de pressa que não olham sequer para o mar. Mas não consigo evitar. Volto ao Japão. Depressa para fugir dali. Atravesso a estrada para me encontrar com alguém. Mas não és tu. Senão, também no Japão estaria à tua espera. Encontro-me com alguém - que já esperava por mim - e vou. Vês como é fácil?

segunda-feira, março 12, 2012

Deus devia mesmo existir

Tinha 91 anos, vim a saber durante a conversa. E um filho que se fosse vivo fazia agora 50 anos. A idosa senhora apanhou o mesmo autocarro que eu e nas voltas e curvas sentiu-se mal. O motorista, verdade seja dita, vinha com muita velocidade, mas ninguém se queixou. Uns porque são novos e a velocidade não os afecta, outros por pudor de chamar à atenção e outros ainda porque nem repararam.
Mas a idosa senhora sentiu-se mal e deu sinais disso ao motorista, que diligentemente e por breves segundos abrandou a marcha, para voltar logo a acelerar, não fosse o semáforo ficar vermelho.
Saí só eu e a senhora naquela paragem. Perguntei-lhe se estava bem. Ela disse que sim. Perguntei-lhe para onde ia e ela apontou na mesma direcção do meu caminho. Dei-lhe o meu braço e segui com ela.
Aos 91 anos, cabelo todo branco e a pele enrugada, carregava o fardo de ter perdido um filho e uma nora quando estes faziam apenas 30 anos de idade. Acidente de carro. Culpa de um condutor que, tal como o motorista do autocarro, não gostava lá muito de semáforos vermelhos. Irritavam-na estes condutores sempre cheios que pressa e aquele autocarro não fora excepção. Condutores como este que lhe levaram o filho, que deixou cá 3 netos que se foram criando com a família da também falecida nora. Quase nunca os via.
Este era o seu único filho rapaz. Tinha ainda 4 filhas. "Ah, está bem acompanhada então", sugiro eu.
Explicou-me a senhora que não era bem esse o caso: 2 filhas estão em França e uma outra em Felgueiras - "também é longe para me vir visitar" explicou ela, mais a si própria do que a mim, imagino eu, que sei bem onde é Felgueiras. O marido tinha morrido ainda antes do seu filho rapaz. Pergunto-lhe então pela sua outra filha, pois pelas minhas contas, faltava uma.
Encolhe os ombros e diz - "mora na mesma rua que eu, mas não falo com ela vai para uns anos".
Não sei o porque. E nem me interessa o porque. Não explorei o assunto, apenas anui com ela que era uma pena... Ela lá confortou o meu descontentamento dizendo que Deus sabe o que faz e que essa sua filha um dia prestará as suas contas.
Deixei a senhora à porta de casa e segui o meu caminho. Até agora sufoco com a certeza que, de facto, provavelmente morremos mesmo sozinhos. E se a senhora tiver razão no que disse, espero que Deus exista mesmo.

domingo, fevereiro 26, 2012

Dias perdidos

Achas que quando voltares nos vamos lembrar de tudo o que nos aconteceu nestes dias para contarmos um ao outro? Todas as gargalhadas, todas as comidas, todos os detalhes, tudo o que nos fez sonhar, dormir, acordar...
Eu acho que não.
E é isso que eu mais odeio neste distância. É a vida fazer-se e não a partilharmos. Não partilhar o mais ridículo detalhe até ao mais precioso sorriso.
Se calhar nunca me vou lembrar de te dizer que um dia aqueci tanto o leite no microondas que veio por fora ou que houve uma altura em que andei umas 2 horas à procura de um dos nossos muitos comandos que controlam a tecnologia cá de casa. Já para não falar das manobras que às vezes tenho de fazer para que o carro caiba no exímio lugar de garagem que temos...
Tu também não deves achar importante contar os teus atrasos ou os insultos que foste soltando por aí...
Serão para sempre dias perdidos, no que a nós e à nossa história diz respeito. Dias ganhos, em outros aspectos, mas um interregno em nós que nenhum de nós queria. Dias para sempre perdidos para nós: é assim que os vejo. É assim que os odeio.

domingo, janeiro 22, 2012

Reencontros

Sinto-me como a adolescente que em 1994 deixou um rapaz no Campo das Cebolas, em Lisboa e foi para sua casa, em Queluz.
O rapaz foi para o Porto, depois de uma férias no Algarve, em que conheceu a rapariga de Queluz.
Quando se separaram, a rapariga sabia que o voltaria a ver. Não sabia quando ou como. Mas sabia. E sabia que a sensação do reencontro seria fantástica. Ficou com o coração apertado quando o viu partir, mas sabia que o reencontro compensaria tudo.
E compensou. Em 1997 estavam juntos novamente. Até hoje.
Hoje, sinto-me como essa rapariga que vivia em Queluz. Com o coração apertado com a partida, mas já a projectar a alegria do reencontro...

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