segunda-feira, março 12, 2012

Deus devia mesmo existir

Tinha 91 anos, vim a saber durante a conversa. E um filho que se fosse vivo fazia agora 50 anos. A idosa senhora apanhou o mesmo autocarro que eu e nas voltas e curvas sentiu-se mal. O motorista, verdade seja dita, vinha com muita velocidade, mas ninguém se queixou. Uns porque são novos e a velocidade não os afecta, outros por pudor de chamar à atenção e outros ainda porque nem repararam.
Mas a idosa senhora sentiu-se mal e deu sinais disso ao motorista, que diligentemente e por breves segundos abrandou a marcha, para voltar logo a acelerar, não fosse o semáforo ficar vermelho.
Saí só eu e a senhora naquela paragem. Perguntei-lhe se estava bem. Ela disse que sim. Perguntei-lhe para onde ia e ela apontou na mesma direcção do meu caminho. Dei-lhe o meu braço e segui com ela.
Aos 91 anos, cabelo todo branco e a pele enrugada, carregava o fardo de ter perdido um filho e uma nora quando estes faziam apenas 30 anos de idade. Acidente de carro. Culpa de um condutor que, tal como o motorista do autocarro, não gostava lá muito de semáforos vermelhos. Irritavam-na estes condutores sempre cheios que pressa e aquele autocarro não fora excepção. Condutores como este que lhe levaram o filho, que deixou cá 3 netos que se foram criando com a família da também falecida nora. Quase nunca os via.
Este era o seu único filho rapaz. Tinha ainda 4 filhas. "Ah, está bem acompanhada então", sugiro eu.
Explicou-me a senhora que não era bem esse o caso: 2 filhas estão em França e uma outra em Felgueiras - "também é longe para me vir visitar" explicou ela, mais a si própria do que a mim, imagino eu, que sei bem onde é Felgueiras. O marido tinha morrido ainda antes do seu filho rapaz. Pergunto-lhe então pela sua outra filha, pois pelas minhas contas, faltava uma.
Encolhe os ombros e diz - "mora na mesma rua que eu, mas não falo com ela vai para uns anos".
Não sei o porque. E nem me interessa o porque. Não explorei o assunto, apenas anui com ela que era uma pena... Ela lá confortou o meu descontentamento dizendo que Deus sabe o que faz e que essa sua filha um dia prestará as suas contas.
Deixei a senhora à porta de casa e segui o meu caminho. Até agora sufoco com a certeza que, de facto, provavelmente morremos mesmo sozinhos. E se a senhora tiver razão no que disse, espero que Deus exista mesmo.

0 Comentários:

Enviar um comentário

Subscrever Enviar feedback [Atom]

<< Página inicial

Free Counters